segunda-feira, 3 de junho de 2013

CANTEIROS

Conheci Raimundo Fagner em 1979, alias sua música. O Padre de minha comunidade Católica, da Igreja de Santa Luzia, hoje meu companheiro de administração pública, Luís Carlos do Nascimento é que me apresentou. Luís Carlos é um exímio violinista. Depois do Tio Joaquim ele foi um dos melhores que conheci. O Padre violeiro trazia novidades para aquela comunidade pobre de periferia. A MPB que não tocava nas rádios, era uma delas. Quinteto Violado, Almir Sater, Renato Teixeira, Grupo Tarancon, era alguns dos artistas que ele colecionava no vinil e tocava no violão.

Apesar de já ter conhecimento da existência do Cearense Fagner, não conhecia sua obra. Algumas canções que fizeram sucesso as conhecia, como Revelação por exemplo, um dos maiores sucessos de Fagner. Naquele ano de 79, a hoje extinta TV Tupi, promoveu um Festival de Música Popular. Gente de peso, lá participaram, como Caetano Veloso (Dona Culpa Ficou Solteira de Jorge Ben Jor), Gilberto Gil (com a Cor do Som interpretando Palco), Walter Franco com Canalha, gente nova como Kleiton e Kledir e sua Maria Fumaça, Oswaldo Montenegro e Bandolins e Arrigo Barnabé e a experimental Sabor de Veneno. Mas a vencedora foi Quem me levará sou eu, de Manduka e Dominguinhos com Raimundo Fagner na Interpretação.

Até então não prestava muito a atenção no conjunto da obra. Com o meu padrinho político e de casamento (ele o concelebrou), percebi as raízes nordestinas nas letras e no ritmo, bem como uma elaboração poética, digna dos Românticos Modernistas. Os versos que denunciavam a pobreza do sertanejo, eram os mesmos versos líricos de uma declaração de amor. A obra de Fagner sempre consagrava a letra de música com os versos de um poema. Foi assim de que se construiu Canteiros.

Feita nos anos de chumbo, Canteiros fala de tristeza, de perda e de saudades. Pode se adaptar esta toada sertaneja, ao nordestino confinado em cidade grande longe de sua amada ou á alguém no exílio forçado ou se escondendo de algo e remoendo lembranças de sua terra e sua amada. Ao mesmo tempo, confessa-se o narrador ser muito jovem, para ficar triste. Embora afirma que nada que se entrega lhe traz alegria.

E vai ser justamente com os poetas que Fagner vai ter dissabores. Canteiros foi lançada em 1973 no primeiro disco do compositor, o fantástico Manera Fru Fru Manera, que além desta, tinha clássicos, Ultimo Pau de Arara, Penas do Tiê, Sina e Mucuripe, parceria com Belchior, sucesso anos mais tarde na interpretação de Roberto Carlos. Canteiros foi denunciada pelas filhas da poetisa Cecilia Meirelles como um Plágio do cantor. Em 1979, Fagner admite judicialmente que baseou a letra da canção, no poema Marcha de Cecilia, em especial a primeira estrofe da letra. Leiam este texto que elucida a polêmica: http://migre.me/eRqzh .

No mesmo ano é relançado o primeiro disco, onde Canteiros é substituída por Cavalo Ferro, gravada em compacto simples. Fagner terá outros problemas onde é acusado de fraude.
Porém da mesma forma que me apaixonei pela canção ao ouvi-la no violão do meu amigo Luís, toda a vez que escuto Canteiros, não penso na polêmica e sim na beleza de seus versos. Vejam e ouçam esta Maravilha: http://migre.me/eRqHm .
 
CANTEIROS

Quando penso em você
fecho os olhos de saudade
tenho tido muita coisa
menos a felicidade
Correm os meus dedos longos
em versos tristes que invento
nem aquilo a que me entrego
já me dá contentamento
Pode ser até manhã
cedo, claro, feito o dia
mas nada do que me dizem me faz sentir alegria
Eu só queria ter do mato
um gosto de framboesa
pra correr entre os canteiros
e esconder minha tristeza
e eu ainda sou bem moço pra tanta tristeza ...
deixemos de coisa, cuidemos da vida
senão chega a morte
ou coisa parecida
e nos arrasta moço
sem ter visto a vida
É pau, é pedra, é o fim do caminho
é um resto de toco, é um toco sozinho ...
são as águas de março fechando o verão
é promessa de vida em nosso coração

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