domingo, 23 de agosto de 2009

SÉRIE: MÚSICA QUE INSPIRA UM CONTO III


O DIA EM QUE CARLITOS DESCOBRIU A ALEGRIA

Para Ruani e Pietro

Carlitos não tinha tempo nem para respirar. As engrenagens, o painel com botões, o consumiam, nem se lembrava de seu nome ou vida fora dali. A monotonia, a rotina, não o incomodava, porque não a percebia. Mas a cada parada, seus olhos se afundavam na tristeza. Se bem que, Carlitos e outras aventuras, mesmo engraçadas, guardava nos fundos das retinas, um triste olhar. Talvez indignado com a individualidade reinante entre as pessoas? Talvez porque pouco ele e os seus tinham para comer, vestir? Talvez amores perdidos, não correspondidos?. As respostas ficam para a eternidade, nunca são reveladas, nem tão pouco SMILE, é herança para dirimir estas dúvidas cruel.

Nosso Carlitos, tinha segredos, os quais nunca aguçaram nossas curiosidades, pois não tínhamos tempo para isto, pois sua arte e graça nos completavam. Mas só para titulo de registro, alguns destes segredos: Porque usava fraque, terno, cartola e bengala? Ainda por cima da cor preta?. Carlitos não tinha sobrenome, porque? Nem mulher, nem filhos, apenas esporádicos. O olhar triste é então o maior destes segredos.

Naquele dia, Carlitos conseguiu parar. Uma indisposição, o fez deixar o monstro de aço e ir até o repouso das tiriricas. Lá ajeitou-se e ficou a pensar, longe, perto, não importa, ficou a pensar. Vida, vida, chata e pesada que vivia, não era feliz. Nem chorar conseguia mais, nem se recorda quando foi a última vez, que lágrimas rolaram pela sua face. Nem quando um alemão adepto do Partido Nacional, o agrediu: Judeu de merda, morte a ti. Nem raiva sentiu, não tinha tempo para estas frivolidades, típicas dos fortes, dos poderosos. Pobres e ainda por cima operários, não tem este luxo.

A sirene terrível, tocou, quase arrancando seus tímpanos. Não tinha forças para correr e se ver livre daquele ambiente hostil e carniceiro, pois a cada fim de dia sentia-se como que parte de suas carnes foram ali destroçadas. Mas com muito custo, chegou ao trocador e colocou sua roupa. O fraque, a cartola, o sapato brilhando e é claro a bengala. Apesar das tormentas e do caos, Carlitos nunca perdeu a pose, ou quem sabe a esperança. As roupas simbolizavam isto?. Foi um dos últimos a sair, até porque raça pura não se mistura com o povo de Israel. Não queria ir para casa. Decidiu andar pelas ruas, quase desertas.

Andar, andar, andei, era a ordem da consciência Carlitista. È como se a senhora de nossos atos, estivesse querendo fazer previsões, de que algo inusitado poderia vir a acontecer. Carlitos caminhava, tentando esquecer os relinchos e gritos do monstro, ou os bla, bla blas, dos homens de capa. Não se atentou que se distanciava, em muito de seu caminho diário. Começava a não reconhecer onde estava. Casas simples, mas lindas. Ruas claras e limpas, onde circulavam, pretos, amarelos, vermelhos, brancos, Judeus, Cristãos, Budistas e outros. Reparou que não havia chaminés, muito menos carros rasgando avenidas e quase atropelando pessoas. Viu animais das mais variadas espécies. Ouviu música, de ritmos mil. Carlitos amava música, tanto que nunca dispensou de suas Histórias mesmo quando não sabia falar, um bom músico. Foi seguindo a trilha das canções: era Jazz, Blues, Gospel, Fox Trote, Tango, Valsa. As pessoas tinham rostos pintados e roupas coloridas e largas. E dançavam, exalando um perfume com gosto de alegria.

Carlitos continuava a andar, e cada vez mais um som lhe chamava a atenção, vinha de uma pequena viela. O ritmo, moderno com um arranjo de grandes espetáculos da arte da lona. Nosso Judeu, estava embevecido com aquela música. Atentou-se para trechos da canção: Solta a prosa presa , a luz acesa, já se abre um sol em mim maior. Correu, como a muito não fazia,. Chegou na viela. Nao acreditou no que via. Era fascinante, uma surpresa, daquelas de cair o queixo, até de um palhaço, experimentado e não se deixar abater, apesar dos olhos tristes. Mas alí não era abatimento, nem sofrimento, era deslumbramento. Pura poesia.

Ela era linda, jovem, com uma vestimenta toda colorida, com uma saia a rodar. Ele um molequinho, ao contrario de Carlitos, seus sons saiam e ele sorria, no colo de sua progenitora. Eles dançavam, ela cantava a canção do Poeta e Palhaço Pena, como se mostra-se a ele que o mundo é bom, é magia, é emoção. Ele agitava-se em seus braços, como que aceitando a apresentação ali feita. Eles não viam Carlitos.

Nosso Palhaço Poeta, estava petrificado. Percebeu que amava aquela menina negra. Não um Amor carnal, mas afetuoso. O molequinho, ele nem sabia a dimensão que seu coração estava a sentir. O vazio, a rotina, a chatice, iam embora. Eram substituídos, pela força daqueles seres, felizes a dançar e cantar, como a descobrir o Nirvana. Atingir Deus, assim pensava Carlitos, ao ver aquela cena maravilhosa.

Aos poucos juntavam-se a mãe e seu filho, malabaristas, mágicos, equilibristas, outros dançarinos, bonecas de pano e palhaços, tal qual Carlitos, que neste momento, sentava ao meio fio da calçada, e estava em prantos. Um choro de gozo e não de angustia. O Palhaço chorou e alegrou-se, como se a vida resumi-se aqueles momentos de extase, catarse. Mas se não se limita, uma coisa Carlitos teve a certeza, seus olhar não será mais triste.

Pena

O Teatro Mágico
Composição: Fernando Anitelli e Maíra Viana

O poeta pena quando cai o pano
E o pano cai
Um sorriso por ingresso
Falta assunto, falta acesso
Talento traduzido em cédula
E a cédula tronco é a cédula mãe solteira

O poeta pena quando cai o pano
E o pano cai
Acordes em oferta, cordel em promoção
A Prosa presa em papel de bala
Música rara em liquidação

E quando o nó cegar
Deixa desatar em nós
Solta a prosa presa
A Luz acesa
Lá se dorme um Sol em mim menor

Eu sinto que sei que sou um tanto bem maior (4x)

O palhaço pena quando cai o pano
E o pano cai
A porcentagem e o versorifa, tarifa e refrão
Talento provado em papel moeda
Poesia metamorfoseada em cifrão

O palhaço pena quando cai o pano
E o pano cai
Meu museu em obras, obras em leilão
Atalhos, retalhos, sobras
A matemática da arte em papel de pão

E quando o nó cegar
Deixa desatar em nós
Solta a prosa presa
A luz acesa
Já se abre um sol em mim maior

[Eu sinto que sei que sou um tanto bem maior] (4x

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

A POESIA COMO PONTO DE EVOLUÇÂO HUMANA


O tempo para o poeta, praticamente não existe. A poesia não é um produto que se faz em grandes quantidades, para alimentar um mercado ou parte de uma linha de montagem. O poeta é o Senhor de seu tempo e no espaço de sua criação de seu mundo muito particular. Ali ele passeia por pensamentos e fantasias, vividas e sonhadas. A Poeta não esta morto e nunca morrerá, afirma o Jornalista de formação, mas poeta de opção, Otacílio César Monteiro.

Uma delicia de Entrevista. Muito lúcido, este Araraquarense, mas Limeirense por vocação, nos faz caminhar com ele sob opiniões e concepções acerca da Literatura e sua importância, para não só o conhecimento das Pessoas, mas para o próprio crescimento delas no caráter, para assim mudar o mundo.

Conheci Otacílio, quando juntos fizemos o antigo Ginásio na Escola Trajano Camargo. Lá ele já desenvolvia seus dotes de escritor. Com uma analise fraterna, mas franca, Otacílio, discorre sobre a Academia Limeirense de Letras, e mesmo tendo restrições, deseja que a ALL, possa contribuir para o conhecimento intelectual de nosso povo.

Por fim, com onze livros publicados e dezenas de atividades ligadas a arte de escrever, Otacílio, demonstra o quanto é um dos maiores artistas de nossa cidade.

1. O que você acha da máxima do Carlos Drummond: “10% de Inspiração e 90% de Transpiração?

Otacílio: A relação é mais ou menos essa. Escrever é um ato intelectual e não sentimental.
É claro que se você está inspirado, isto é, realmente interessado num tema ou espiritualmente propenso a fazer algo de que gosta (e todo escritor gosta de escrever, assim como o futebolista gosta de jogar), a obra tende a ser mais bem elaborada. Mas escrever é muito mais trabalho que fruição, muito mais técnica que devaneio.

2. Como você se define no mundo da Poesia? Tem alguma corrente poética que te atrai?

Otacílio: Isso talvez choque as pessoas que confiam no meu trabalho, mas apesar de ter lido razoavelmente nunca me aprofundei no estudo das escolas literárias. A Poesia que me atrai é a contemporânea, mas não sou chegado a modismos. Gosto do verso livre e também aprecio construções mais elaboradas, como um bom soneto. Eu diria que sou um viúvo da Poesia de Quintana, Vinícius, Cecília.

3. Fale um pouco de sua obra. Quantos livros? Quais os Gêneros? Qual mais gosta?

Otacílio: São onze livros, sendo dez em Poesia e um em Prosa.
Dos livros de Poesia, um é infantil. Chama-se Pau, Pau, Pedra, Pedra e conta a história de Paulo Pedro, um menino perfeccionista e turrão, que melhora a postura ao final do poema.
Gosto de todos os meus livros, mas confesso que atualmente estou apaixonado por este infantil, que está na segunda edição e já vendeu 3.500 exemplares, quase todos entregues na mão do leitor com o meu autógrafo. Escritor independente não vende em livrarias, tem que dar a cara pra bater. E a surpresa boa: leitor não bate, dá carinho. Criança, então, nem se fale.

4. Outra frase, a qual gostaria de saber sua opinião. Em tempos de Globalização Econômica, “O Poeta está Morto”?

Otacílio: Não, o poeta não está morto e jamais vai morrer. O que está em constante mutação é o meio de exposição e venda, e não a atividade fim. A atividade fim do poeta é escrever poemas. Isso nunca morrerá. E, seja de forma independente ou através de editoras, o poeta mostrará sua obra, em livros impressos, Cd’s, dvd’s ou o raio que o parta

5- Limeira tem uma Academia de Letras. Você não é membro. O que acha desta instituição? Ser imortal traz que tipo de contribuição a sociedade? Não acha ser a Academia algo elitizante, e excludente?

Otacílio: Começando pelo fim da pergunta, o ser imortal em questão pode contribuir, sim, no sentido de enaltecer e registrar para sempre obras e indivíduos de incontestável contribuição cultural e artística. A Academia deveria mesmo ser elitizante, no sentido de reunir a nata da intelectualidade, gente com obras, publicadas ou não, de muito peso.
Mas com todo respeito aos literatos vivos e falecidos de nossa cidade, é muito fácil de se notar que não temos 40 acadêmicos incontestáveis, nem quando juntamos vivos e mortos. Por isso fui contrário à fundação da academia, pois entendo que o rótulo é muito forte.
Quero, entretanto, deixar claro que não me interesso em ficar criticando essa entidade e espero que ela traga a sua contribuição cultural. Evito me manifestar publicamente a respeito, pois tenho vários amigos lá e não quero perdê-los. Principalmente, agora, que são imortais. Seria um carma e tanto.

6. A SOLL não é uma Academia, certo. Mas quais são as finalidades desta entidade?

Otacílio: A SOLL _ Sociedade Literária Limeirense é uma associação que congrega escritores, poetas e amantes da Literatura. Nossa intenção é propiciar ao associado crescimento cultural e intelectual na área de Literatura. No momento, estamos empenhados em finalizar a Coleção Maria Paulina, que prevê o lançamento de 10 livros de bolso, dos quais quatro já foram lançados. O grande diferencial da coleção é lançar obrigatoriamente autores inéditos. Acreditamos que isso seja uma boa contribuição para a cidade, pois propicia a aparição de autores novos.


7. Até meados dos anos 60 do século XX, a literatura poética, tinha espaço no Jornalismo dito comercial. Vários veículos tinham páginas dedicadas a poemas, contos, crônicas e outros. Grandes mestres ocuparam grandes jornais, com seus escritos: Raquel de Queiroz, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino, Rubem Braga, Nelson Rodrigues e tantos outros. Hoje para ser publicado uma vertente literária, só o acaso. Pergunto, a emoção da literatura foi substituída pela concepção de Jornalismo frio, seco e voltado para o lucro? Como define isto?.

Otacílio: A Imprensa sempre esteve voltada para o lucro e interessada na queda de braço do Poder, mesmo no tempo do jornalismo romântico. Talvez a diminuição da frequência dos grandes mestres nos jornais impressos também se deva ao surgimento de novas mídias, como a Internet, e ao crescimento da TV. Quero dizer que o mundo mudou e o Jornalismo também se embruteceu mais. Mas o jornalismo não é mesmo lugar de literatura. Exceto para alguns gênios que, talvez, estejam em falta.


8. O Argentino nosso ilustre vizinho lê em média, 10 livros por ano. O preço médio de uma obra lá gira em torno de quinze reais, mesmo em crises bravas. Aqui a média entre os que têm acesso a leitura é de três anualmente e o preço médio do livro é de 40 reais. Quais em sua opinião as razões para esta situação?

Otacílio: Um dos grandes problemas é que as pessoas não têm consciência do custo editorial, principalmente agora que o governo fornece muitos livros de graça, e nem sempre livros de qualidade. Tudo o que vem fácil demais não tem sabor. Por outro lado, se houvesse mais subsídios, talvez o preço de capa fosse mais baixo e isso incentivasse mais as vendas. Agora, o cerne da questão está na educação infantil, certamente. Ler por obrigação tem sido o grande problema. As crianças deveriam ler por prazer e aprender que por trás de um livro tem um trabalho de pesquisa, além do escritor, ilustrador, arte finalista, diagramador, gráfico, livreiro e uma série de outros profissionais, sem falar nas máquinas e na matéria-prima. Em suma, os livros não brotam na prateleira da biblioteca ou da livraria. Eu acho que los hermanos sabem disso.


9. Você desenvolve projetos voltados a literatura, com crianças, certo. Quais são e como as pessoas podem participar?

Otacílio: Atualmente, realizo a palestra “Palavra, ferramenta de trabalho, em que falo de meus 20 anos como escritor e da importância da palavra como uma ferramenta de trabalho na vida familiar, estudantil e profissional de qualquer pessoa. Ao final, falo do meu livro e o autografo para as crianças que adquirirem. Com o apoio de várias empresas, colocaremos em ação a campanha “Um presente para Paulo Pedro”. Crianças de 7 a 12 anos de qualquer escola poderão participar e concorrerão a muitos prêmios. Os detalhes estão no blog http://www.aventurasdepaulopedro.blogspot.com/ .
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10. Ziraldo disse certa vez que, para escrever é preciso ler. E quem lê pode fazer Revolução, certo?

Otacílio: Sim, para escrever é preciso ler. E isso já é uma grande revolução e uma grande evolução. Para mim, a grande revolução é a evolução individual de cada um. Não acredito mais em pessoas que desejam mudar o mundo e continuam a roer unhas. Se o cara não se transforma a si mesmo, não faz revolução.

11. Qual sua opinião da Política Cultural de nossa cidade?

Otacílio: Ela inexiste. Temos um excepcional agente cultural, o atual vereador Farid Zaine, que é meu amigo particular, grande artista e grande homem público. A cada vez que ele assume a Secretaria da Cultura, os projetos fluem. Quando sai, mínguam.
Isso prova que não há uma política cultural de continuidade. Talvez a pressão dos artistas, que agora formaram uma associação, possa dar resultado. Pena que não chamaram representantes da área literária, sob alegação de já existirem a SOLL e a Academia. Mas tá valendo. O fato do nosso prefeito também ser um artista, com dois livros publicados, deve ajudar no diálogo.

12. Qual o novo projeto?

Otacílio: Meu novo projeto, que depende de São Patrocínio, protetor de todos os artistas, é fazer uma exposição sobre meus 20 anos de Literatura, durante a qual pretendo lançar meu novo livro, que está pronto, com cem poemas inéditos e o título “Contradança”.

13. Poderá nos brindar com um poema inédito?


Com muito prazer, aí vai o mais recente:

Felino


A outra face da foto-

o fotógrafo-
fareja, fita e fixa

algum momento fugaz.


O fino flash, no ato,

captura a nova cena,

emoldura mais um fato.


De seu observatório,
a um poema da presa,
o criador se revela.

Otacílio Cesar Monteiro