sábado, 15 de junho de 2013

ADMIRAVEL GADO NOVO


As concessões estatais para Rádios de frequência modulada no Brasil, ocorrem a partir dos inicio dos anos de 1970. Mas vai ser, a partir da segunda metade da década que estas rádios irão chegar até o cidadão de classe média baixa, primeiro depois das elites a ter contato com esta nova tecnologia. A programação era digamos um pouco mais refinada, em relação ao que se apresentava na frequência de AM. Se nas segundas, era o popular em relação a música, como o Brega e uma invasão de canções estrangeiras, as FM, vão privilegiar a MPB, os clássicos como Chico, Caetano, Milton e outros e as novas tendências Brasileiras.

Meu Pai, sempre gostou de consumir eletro eletrônicos, principalmente as novidades no mercado. Na época, os toca rádios de carro eram o boom da moda. Mesmo sem ter veiculo, João Lopes Gonçalves, comprava e o adaptava dentro de casa. Os aparelhos vinham com compartilhamento, para as famosas fitas cassetes. Com espirito garimpador como sempre tive, sintonizava nas para mim novas estações de rádio. Duas em especial: Radio Andorinhas e Rádio Morena, ambas de Campinas/SP. Elas traziam as novidades na música Brasileira.

Foi aí que tive meu primeiro contato com Zé Ramalho. Vila do Sossego do primeiro álbum do cara de 1978, foi a primeira de que gostei. Alias para registro, a uma gravação de Cassia Eller, de um disco lançado após sua morte, da canção em um arranjo fantástico. Clic aqui para ver e ouvir http://migre.me/f2ftL . O disco do Zé ainda tem preciosidades como, Avolhai, 
Bicho de 7 Cabeças, e um dos maiores Hits do Paraibano, Chão de Giz.

Zé Ramalho, apareceu para o grande público, no Festival Abertura da TV Globo, acompanhando no violão Alceu Valença. Gravou em 1975, com Lula Cortez uma obra Cult da pisicodelia Brasileira, o disco Paêbirú, até hoje peça de colecionador. Com varias influências musicais que vão de Luiz Gonzaga, o folclore Nordestino, o Rock Progressivo, Beatles e em especial Bob Dylan. Estudioso do ocultismo e da filosofia Grega e Oriental, Zé trabalhava a mistura musical, com temas metafóricos e subliminares. Seu jeito de cantar é de um trovador nordestino, muito próximo do que Dylan faz.

Admirável Gado Novo, esta no disco que colocou definitivamente o compositor entre os grandes da nossa música. A Peleja do Diabo com o Dono do Céu, é quase uma versão do Sertanejo, do encontro de Cristo com o Demônio na Bíblia. Este trabalho é todo inspirado na literatura de cordel, com arranjos de voz dos grandes Trovadores da idade média. Vários destaques do disco: A faixa Titulo, Beira Mar, Jardim das Acácias e Frevo Mulher, imortalizada na voz de Amelinha sua esposa na época.

Admirável, é uma leitura do cenário do Brasil daqueles tempos de Ditadura. A opressão aos pobres, é relatada não só no aspecto sócio econômico, mas também cultural. A visão do poeta sobre seu povo, que “mesmo marcado” é “feliz”. Alias isto lembra a frase do General mais violento do Regime Militar Médici: “Somos um País abençoado por Deus. Aqui não tem Guerras, não tem terremotos” e outras besteiras mais.

Admirável Gado Novo, estourou nas rádios e nas vendagens. Curte esta canção fantástica: http://migre.me/f2hIC .


Admirável Gado Novo


Zé Ramalho

Vocês que fazem parte dessa massa que passa nos projetos do futuro
É duro tanto ter que caminhar e dar muito mais do que receber
E ter que demonstrar sua coragem à margem do que possa parecer
E ver que toda essa engrenagem já sente a ferrugem lhe comer
Ê, ô ô, vida de gado, povo marcado, ê, povo feliz
Lá fora faz um tempo confortável, a vigilância cuida do normal
Os automóveis ouvem a notícia, os homens a publicam no jornal
E correm através da madrugada a única velhice que chegou
Demoram-se na beira da estrada e passam a contar o que sobrou
Ê, ô ô, vida de gado, povo marcado, ê, povo feliz
O povo foge da ignorância apesar de viver tão perto dela
E sonham com melhores tempos idos, contemplam essa vida numa cela
Esperam nova possibilidade de verem esse mundo se acabar
A arca de noé, o dirigível, não voam nem se pode flutuar
Ê, ô ô, vida de gado, povo marcado, ê, povo feliz



quinta-feira, 13 de junho de 2013

COMO EU QUERO

Nos anos 80, como já disse aqui em outro post, participei de uma banda, o GLADVES, com repertório de MPB. Em 1984, com a saída de alguns integrantes, resolvemos mudar o nome, já que a sigla era o inicio da nominação de cada integrante e também porque queríamos algo mais vibrante e ao mesmo tempo, simples. O nome escolhido (não riam), foi Raios de Sol. A presença feminina era grande no grupo, prevaleceu algo próximo de um galanteio, um elogio, as mulheres do grupo. Não me lembro quem propôs. Pois bem, nome novo, novos integrantes, renovação no repertório.

O ano, varias bandas do chamado Rock BR, estavam em evidencia. Barão Vermelho ainda com Cazuza, Titãs, Paralamas do Sucesso e outras. Muitas musicas eram verdadeiros Hits, tocavam sem cessar nas rádios, verdadeiros melos. Parte do Raios de Sol, defendia continuar com um repertório, baseado nos grandes da música Brasileira, Caetano, Chico, Milton, Gonzaguinha, Ivan Lins e outros. Parte queria uma arejada, incluir canções mais populares para atrair jovens para nossa comunidade, até porque a Banda era projeto da Igreja.

Bom os “Tradicionalistas cederam (perderam). E aí Como Eu Quero, do Kid Abelha ainda com os Abóboras Selvagem, foi uma das escolhidas. A garota convocada para solar a música, se chamava Laurita (saudades dela, não vejo a muito tempo), com sua voz baixinha, suave e doce, muito próxima da de Paula Toller do Kid. Os politicamente corretos não gostavam deste pop para dançar agarradinho, pois a letra mostrava-se muito possessiva, controladora e até machista. Mas venceu novamente a sensibilidade das meninas e outros. 
Alias me parece que Caetano Veloso também era do tipo não satisfeito com Como Eu Quero, que no disco “Livro” de 1998, escreveu uma suposta resposta, embora ele diga que foi feita para a imprensa, fica também a dúvida, e assim para tirarmos nossas conclusões um link da Não Enche: http://migre.me/f0gVk .

Como Eu Quero, esta no segundo disco do Kid Abelha e os Abóboras Selvagens, é o trabalho que será boom da Banda. O LP O Espião, faz de da canção seu maior sucesso, embora o produtor Liminha, não a queria no repertório. Foi os autores Paula Toller e Leoni, que insistiram e acabaram sendo os responsáveis pelo sucesso do Disco. O Kid, foi mais uma das Bandas dos Anos 80, que apareceu durante os Shows realizados no espaço do Circo Voador no Rio de Janeiro. De lá para gravadoras e para o Mundo. Com um som muito próximo do que fazia David Byrne e os artistas da New Wave, o Kid, é amado e cultuado até hoje, com sua linguagem adolescente apaixonado.

Aprendi a ser fã da Banda, por algumas razões. A primeira uma paixão platônica e de tesão mesmo por Paulinha Toller. Quando a vi aos 40 anos, em 2001 no palco do Rock In Rio III, de mini saia, com certeza se embasbacou como eu. Segunda razão, gosto dos arranjos feitos por George Israel, um músico sensacional. Terceiro, é bom ver temas leves, descompromissados, apolíticos até, serem executados com tamanha competência.

Por isto, vamos ver, ouvir Como Eu quero neste Link: http://migre.me/f0hKY .


Como Eu Quero

Kid Abelha

Diz prá eu ficar muda
Faz cara de mistério
Tira essa bermuda
Que eu quero você sério...
Tramas do sucesso
Mundo particular
Solos de guitarra
Não vão me conquistar...
Uh! eu quero você
Como eu quero!
Uh! eu quero você
Como eu quero!...(x2)
O que você precisa
É de um retoque total
Vou transformar o seu rascunho
Em arte final...
Agora não tem jeito
Cê tá numa cilada
Cada um por si
Você por mim e mais nada...
Uh! eu quero você
Como eu quero!
Uh! eu quero você
Como eu quero!...
Longe do meu domínio
Cê vai de mal a pior
Vem que eu te ensino
Como ser bem melhor...
Longe do meu domínio
Cê vai de mal a pior
Vem que eu te ensino
Como ser bem melhor...
(Bem melhor!)...
Uh! eu quero você
Como eu quero!
Uh! eu quero você
Como eu quero!...(2x)
Uh! eu quero você
Como eu quero!
Uuuuuuuuuuhhh!
Uuuuuuuuuuhhh!...



segunda-feira, 10 de junho de 2013

TIGRESA

Em 1978, eu e o Brasil inteiro assistindo uma das melhores audiências de novelas da TV Globo. Escrita por Gilberto Braga, Dancing Days, traduzia aquele final de anos 70. Momento da abertura lenta e gradual, iniciada por Geisel, retomada das lutas sociais, entre elas a eclosão das greves do ABC. Foi o ano da volta dos exilados, da Anistia mais ou menos ampla. A censura aos meios de comunicação e as artes já não eram mais tão brutas e violentas. Já se respirava um pouco mais. As reuniões de oposição e protesto ainda eram reprimidas mas não com a intensidade no pós AI5. Lembro de meus primeiros contatos com a Teologia da Libertação, e com as lutas por Democracia no Brasil.

O enredo da novela, trabalha um drama pessoal. Sonia Braga encarnando a personagem principal, é Júlia, recém saída da cadeia por atropelar um assaltante de banco. Volta e tenta ficar perto da filha que vive com a irmã uma socialite, preconceituosa ao extremo. Para não atingir o Status da família da mana, Julia esconde sua identidade e histórico de ex presidiaria da filha e de todos. Roteiro próprio daqueles tempos, a novela atingi o sucesso, não só pela trama de choros e tragédias, mas pela atmosfera da época. A juventude da novela, curte seu enredo, na famosa discoteca Dancing Days, com a trilha daquele tempo, dance music, funk e soul.

Alias a trilha sonora é de arrebentar. Entre as internacionais, tem Macho Man do Vilage People, Santa Esmeralda e Commodores, só para ficar com algumas. Na trilha Nacional, Luiz Wagner, Lady Zú e petardos da MPB, como Jorge Ben Jor, Rita Lee, Nara Leão Gal Costa que canta Tigresa tema de Júlia e outros. Mas foi a música de abertura que estorará nas paradas de sucesso. A faixa Dancig Days, com as Frenéticas. Me perguntava mais quem são?. As seis mulheres lindas que vao formar este grupo de musica pop e dançante, eram mais uma do produtor Nelson Motta, proprietário da Dancing Days, já citada aqui. Elas eram garçonete da boate onde vips e gente da Burguesia Carioca frequentava. Em um determinado momento, elas abandonavam as mesas e iam ao palco cantar.

Foi nesta boate e neste clima de festa, que Caetano Veloso, se inspirou para escrever Tigresa. Segundo ele, via mulheres maravilhosas dançarem na pista da casa de espetáculos, e surgia assim a imagem de uma canção sensual e em homenagem a uma delas. A escolhida, claro Sonia Braga. Assim nasceu uma das músicas mais sexuais da carreira de Caetano. Houve um tempo em que tinha a informação, de que a Tigresa, se tratava de um travesti. Até porque falar de sexo em meio a ditadura já era um desafio, e se seria maior ainda se o personagem fosse um homossexual.

Tigresa foi gravada pela primeira vez no disco Caras&Bocas, de Gal Costa, em 1977. Ouça este Jazz de preferencia com seu bem: http://migre.me/eXm2Z .


Tigresa

Caetano Veloso

Uma tigresa de unhas
Negras e íris cor de mel.
Uma mulher, uma beleza
Que me aconteceu.
Esfregando a pele de ouro marrom
Do seu corpo contra o meu
Me falou que o mal é bom e o bem cruel.
Enquanto os pelos dessa
Deusa tremem ao vento ateu,
Ela me conta, sem certeza,
Tudo o que viveu:
Que gostava de política em mil
Novecentos e sessenta e seis
E hoje dança no Frenetic Dancin? Days.
Ela me conta que era atriz
E trabalhou no Hair.
Com alguns homens foi feliz,
Com outros foi mulher.
Que tem muito ódio no coração,
Que tem dado muito amor,
Espalhado muito prazer e muita dor.
Mas ela ao mesmo tempo diz
Que tudo vai mudar,
Porque ela vai ser o que quis
Inventando um lugar
Onde a gente e a natureza feliz,
Vivam sempre em comunhão
E a tigresa possa mais do que o leão.
As garras da felina
Me marcaram o coração,
Mas as besteiras de menina
Que ela disse, não.
E eu corri pra o violão num lamento
E a manhã nasceu azul.
Como é bom poder tocar um instrumento.



sábado, 8 de junho de 2013

NÃO CHORES MAIS (No Woman, No Cry)

Gilberto Gil esta para a música Brasileira, como os Beatles estão para a o Rock e o Pop. A capacidade do artista, em prever o futuro por intermédio de sua arte é algo raro, digno de um Deus Grego, com direito a misticismo e magia. Gil é para mim um visionário, consegue aos escrever uma canção, enxergar mil anos luz a frente de todos. Foi assim quando ouviu João Gilberto e Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, e com Caetano Veloso, criou a Tropicália, a verdadeira Geleia Brasileira. Foi assim também quando previu ao voltar do exílio  em 1972, a pos modernidade dos século XXI, com Expresso 2222. Ou foi também em 1997, quando a gente ainda usava apenas o Word e se comunicava o mais rápido por fac-símile, ele já cantava pela Internet.

Dono de uma personalidade aberta a todos os ritmos e sons, não se acabrunhou em juntar guitarra elétrica, com berimbau e sinfonia de cordas. Do Pop ao Jazz, da Bossa ao Iê, Iê, Gil não tem preconceitos ou formalização definida sobre música. Como ele a música é universal, não serve só para entretenimento ou relaxar a alma. Serve para refletir o presente com um olho no futuro. Um cientista social e filósofo, ser ter academia, o Baiano, como ele mesmo diz, é a síntese da tese e da Anti Tese de uma sociedade em profunda e constante transmudação. Karl Marx puro.

No meios dos anos 70, Gilberto Gil já refeito do Exilio imposto pelos militares e altamente integrado a cena politica e musical, continuou a surpreender do Oiapoque ao Chuí. Gil inicia uma Trilogia em 1975, com Refazenda, Trilogia esta que vai ter a alcunha de RE. Totalmente antenado com a conjuntura do País, o disco com uma tendência rítmica caída para o Sertanejo, com Toadas, Forrós, Chotes entrelaçada com o Pop e o peso das Guitarras, percorre a temática do êxodo rural, provocado pela industrialização e o latifúndio no Campo. 

Na sequencia, como que umbilicalmente ligados, apresenta o LP Refavela de 1977. A cidade grande como temário, Gilberto Gil, vai denunciar as contradições das metrópoles, cheias de arranhas céus e empinhada de favelas e miséria. O Funk se mistura ao samba, em um tempo em que o ritmo dos Negros da América do Norte não tinha vez na MPB.

E aí chegamos á Realce. O  disco é de 1979, é o fim da Trilogia do RE. O disco surgiu um ano antes, quando da participação no Festival de Arte Negra na Nigéria. Gilberto Gil, manteve o contato com o mundo pop daqueles tempos e em especial com a Dance Music, que será o ritmo predominante no LP e o Reggae. Um disco cheio de Hits, como a faixa titulo com suas luzes e cores, Toda Menina Baiana, Se eu quiser falar com Deus, Marina uma releitura dançante da toada de Dorival Caymmi e claro Não Chores Mais.

O compositor já conhecia o ritmo da Jamaica e tinha Bob Marley como uma de suas referencias máximas para a criação. Não chores Mais é a versão que Gil fez para o Reggae de Marley. É a leitura de cenário de um tempo de cala te boca, de torturas, de gente sumindo e ao mesmo tempo de lembrar a contra cultura de uma juventude que subvertia a ordem através do comportamento. Cantei muito No Woman No Cry, no meio das calçadas, nas reuniões da comunidade de Jovens, nas greves e Manifestações Populares. Uma canção forte, uma balada para dançar de rosto colado, mas para lamentar os 21 anos de Ditadura. Leia aqui a letra comentada: http://migre.me/eVwgJ .

Veja a canção aqui e acompanhe a letra: http://migre.me/eVwip .

Não Chore Mais (No Woman, No Cry)
No Woman, No Cry
No Woman, No Cry
No Woman, No Cry
No Woman, No Cry...
Bem que eu me lembro
Da gente sentado ali
Na grama do aterro, sob o sol
Ob-observando hipócritas
Disfarçados, rondando ao redor...
Amigos presos
Amigos sumindo assim
Prá nunca mais
Tais recordações
Retratos do mal em si
Melhor é deixar prá trás...
Não, não chore mais
Não, não chore mais
Oh! Oh!
Não, não chore mais
Oh! Oh! Oh! Oh! Oh!
Não, não chore mais
Hê! Hê!...
Bem que eu me lembro
Da gente sentava ali
Na grama do aterro, sob o céu
Ob-observando estrelas
Junto à fogueirinha de papel...
Quentar o frio
Requentar o pão
E comer com você
Os pés, de manhã, pisar o chão
Eu sei a barra de viver...
Mas, se Deus quiser!
Tudo, tudo, tudo vai dar pé
Tudo, tudo, tudo vai dar pé
Tudo, tudo, tudo vai dar pé
Tudo, tudo, tudo vai dar pé
Tudo, tudo, tudo vai dar pé
Tudo, tudo, tudo vai dar pé...
No Woman, No Cry
No Woman, No Cry
No Woman, No Cry
Uh!
Uh! Uh!...
Não, não chore mais
Menina não chore assim!
Não, não chore mais
Oh! Oh! Oh!
No Woman, No Cry
No Woman, No Cry
Não, não chore mais
Não chore assim
Não, não chore mais
Hê! Hê!




quarta-feira, 5 de junho de 2013

PENAS DO TIÊ


Nara Leão é para mim uma incógnita. Sua voz fraquinha e seu jeito de cantar baixinho, explode em mim vários sentimentos. Se pensar no técnico diria que não gosto, as vezes até tem um que de desafinado. Alias a quem diga que Tom Jobim se inspirou nela para conceber o clássico “Desafinado”. Mas o que mais me encantava nela era tradução que ela dava nas canções.

Podia ser uma bossa nova, considerada no inicio como canção de apartamento, em função de que o grupo que vai criar o “movimento”, tinha a casa de Nara como local para a apresentação das novidades. Podia ser uma de Protesto como Opinião ou Cacará, letras fortes, mas que Nara Leão as cantava baixinho, ou uma Romântica como Além do Horizonte de Roberto e Erasmo Carlos.


Como cantoras de sua extirpe Nara, transformava o simples em poesia cantada. Era lindo vê-la cantar suave. Quando alguns anos atrás, Fernanda Takai, do Pato Fú, gravou seu primeiro trabalho solo, foi músicas de Nara Leão, que ela cantou. Nelson Motta, foi quem sugeriu a Takai que grava-se Nara. Dizia ele pela identificação da voz, o baixinho, o suave e ao mesmo tempo profundo. Ouvi Nara pela primeira em uma coletânea da qual não me lembro mais. (Era uma canção infantil, Pof o Dragão Mágico, uma versão feita pelo então naquele momento compositor Renato Teixeira, da musica Puff, the Magic Dragon).


Alias Nara Leão antes de Elis Regina, já lançava novos compositores, era sua sina. Iniciou-se lá no Apartamento, onde apresentou para os já adultos Tom Jobim, Vinicius de Moraes, garotos talentosos, entre eles Roberto Menescal e Carlos Lira, que estavam aprendendo a batida de um tal João Gilberto. De musa da Bossa Nova, Nara foi para a canção de Protesto e já em primeiro disco, lançou um Nordestino João do Vale e um sambista de Morro Zé Keti.
Bom, meu ultimo foi de uma canção de Raimundo Fagner, do LP Manera Frufru Manera de 1973, depois relançado em 1979. 

Foi nos acordes do Violão do então Padre Luís Carlos do Nascimento, da comunidade de Santa Luzia, que ouvi outra preciosidade deste disco. Penas do Tiê, que no disco aparece como retirado do folclore, mas em alguns textos, de autoria de Luís Gonzaga. Esta canção de amor, fala de um pássaro. O Tiê, que no Nordeste ele é conhecido como Tiê Sangue ou Sangue de Boi, por conta de sua Plumagem Vermelha. No Sudeste e Sul, o Tiê é preto, em São Paulo é foguinho Preto. Suas penas são pretinhas, bem pretinhas.

A referencia ao Tiê é o seu canto que faz o sertanejo se deliciar com as coisas da Natureza e fazer uma ode ao seu Amor. Nara Leão canta ao lado de Fagner, esta linda musica. Sussurrei ela varias vezes para alguns de meus amores.

Mas para quem quer lembrar de seu Amor, com os sons da Natureza e ao mesmo tempo matar saudades de Nara Leão Click aqui: http://migre.me/eT6uq


Penas do Tiê



Vocês já viram lá na mata a cantoria,
Da passarada
Quando vai anoitecer,
E já ouviram o canto triste da araponga,
Anunciando que na terra vai chover,
Já experimentaram guabiroba bem madura,
Já viram as tardes quando vai anoitecer,
E já sentiram das planícies orvalhadas

O cheiro doce das frutinhas muçambe
Pois meu amor tem um pouquinho
Disso tudo
E tem na boca a cor das penas do tiê,
Quando ele canta os passarinhos ficam mudos
Sabe quem
é o meu amor
Ele é você você você...





segunda-feira, 3 de junho de 2013

CANTEIROS

Conheci Raimundo Fagner em 1979, alias sua música. O Padre de minha comunidade Católica, da Igreja de Santa Luzia, hoje meu companheiro de administração pública, Luís Carlos do Nascimento é que me apresentou. Luís Carlos é um exímio violinista. Depois do Tio Joaquim ele foi um dos melhores que conheci. O Padre violeiro trazia novidades para aquela comunidade pobre de periferia. A MPB que não tocava nas rádios, era uma delas. Quinteto Violado, Almir Sater, Renato Teixeira, Grupo Tarancon, era alguns dos artistas que ele colecionava no vinil e tocava no violão.

Apesar de já ter conhecimento da existência do Cearense Fagner, não conhecia sua obra. Algumas canções que fizeram sucesso as conhecia, como Revelação por exemplo, um dos maiores sucessos de Fagner. Naquele ano de 79, a hoje extinta TV Tupi, promoveu um Festival de Música Popular. Gente de peso, lá participaram, como Caetano Veloso (Dona Culpa Ficou Solteira de Jorge Ben Jor), Gilberto Gil (com a Cor do Som interpretando Palco), Walter Franco com Canalha, gente nova como Kleiton e Kledir e sua Maria Fumaça, Oswaldo Montenegro e Bandolins e Arrigo Barnabé e a experimental Sabor de Veneno. Mas a vencedora foi Quem me levará sou eu, de Manduka e Dominguinhos com Raimundo Fagner na Interpretação.

Até então não prestava muito a atenção no conjunto da obra. Com o meu padrinho político e de casamento (ele o concelebrou), percebi as raízes nordestinas nas letras e no ritmo, bem como uma elaboração poética, digna dos Românticos Modernistas. Os versos que denunciavam a pobreza do sertanejo, eram os mesmos versos líricos de uma declaração de amor. A obra de Fagner sempre consagrava a letra de música com os versos de um poema. Foi assim de que se construiu Canteiros.

Feita nos anos de chumbo, Canteiros fala de tristeza, de perda e de saudades. Pode se adaptar esta toada sertaneja, ao nordestino confinado em cidade grande longe de sua amada ou á alguém no exílio forçado ou se escondendo de algo e remoendo lembranças de sua terra e sua amada. Ao mesmo tempo, confessa-se o narrador ser muito jovem, para ficar triste. Embora afirma que nada que se entrega lhe traz alegria.

E vai ser justamente com os poetas que Fagner vai ter dissabores. Canteiros foi lançada em 1973 no primeiro disco do compositor, o fantástico Manera Fru Fru Manera, que além desta, tinha clássicos, Ultimo Pau de Arara, Penas do Tiê, Sina e Mucuripe, parceria com Belchior, sucesso anos mais tarde na interpretação de Roberto Carlos. Canteiros foi denunciada pelas filhas da poetisa Cecilia Meirelles como um Plágio do cantor. Em 1979, Fagner admite judicialmente que baseou a letra da canção, no poema Marcha de Cecilia, em especial a primeira estrofe da letra. Leiam este texto que elucida a polêmica: http://migre.me/eRqzh .

No mesmo ano é relançado o primeiro disco, onde Canteiros é substituída por Cavalo Ferro, gravada em compacto simples. Fagner terá outros problemas onde é acusado de fraude.
Porém da mesma forma que me apaixonei pela canção ao ouvi-la no violão do meu amigo Luís, toda a vez que escuto Canteiros, não penso na polêmica e sim na beleza de seus versos. Vejam e ouçam esta Maravilha: http://migre.me/eRqHm .
 
CANTEIROS

Quando penso em você
fecho os olhos de saudade
tenho tido muita coisa
menos a felicidade
Correm os meus dedos longos
em versos tristes que invento
nem aquilo a que me entrego
já me dá contentamento
Pode ser até manhã
cedo, claro, feito o dia
mas nada do que me dizem me faz sentir alegria
Eu só queria ter do mato
um gosto de framboesa
pra correr entre os canteiros
e esconder minha tristeza
e eu ainda sou bem moço pra tanta tristeza ...
deixemos de coisa, cuidemos da vida
senão chega a morte
ou coisa parecida
e nos arrasta moço
sem ter visto a vida
É pau, é pedra, é o fim do caminho
é um resto de toco, é um toco sozinho ...
são as águas de março fechando o verão
é promessa de vida em nosso coração

sábado, 1 de junho de 2013

GITA

No finalzinho da década de 1970, dividi com um locutor de radio, do qual não me lembro mais o nome, a animação do sistema de som das Quermesses da Comunidade de Santa Luzia no JD. Vista Alegre em Limeira. A igreja ainda estava em construção, no alicerce. As festas eram realizadas, em cima da laje onde se construiria mais tarde o templo. Ficávamos em uma barraca, com uma iluminação bem fraquinha, uma mesa de som antiguíssima e um único microfone. Era o tempo do Vinil. Os membros da comunidade contribuíam, emprestando os bolachões. Eu mesmo levava os meus, que quase nunca eram tocados. Atendíamos pedidos e o que se tocava, eram musicas dos Bregas da época, meus discos eram considerados “cabeça” demais para o povão.

Mas entre os Lps, muitos deles riscados e quase sem condições de uso, estava os de Raul Seixas. O Maluco Beleza eram um dos mais tocados. Não vencíamos os pedidos para executar os mega sucessos do cara. Eu não prestava muito á atenção em Raul. Vi nele muito comercialismo, e pouco engajamento social. Eram os tempos das manifestações públicas contra a ditadura, tempos da Teologia da Libertação e eu já andava com Marx e Leonardo Boff debaixo do Braço.

Fui me ater á Raul um pouco mais tarde, quando estudei sua obra. Raul Seixas, tinha na mística, sua oração de vida. Suas canções não se furtavam a reclamar da condição da juventude, naqueles duros anos 70. Conseguia Raulzito unir, a ideia da transcendência, como um modo de vida alternativo. Foi esta concepção que o fez desagradar os militares. Com base na filosofia do ocultista Britânico  Aleister Crowley, que Raul Seixas criou a Sociedade Alternativa. Algo que o próprio Raul não sabia explicar o que seria de fato. A Sociedade lhe custou um exílio forçado ao Estados Unidos em 1974. Os militares não estavam gostando nada da coisa de uma cidade das Estrelas. Nome que Raul e Paulo Coelho dariam á Sociedade Alternativa e seria em Minas Geraes.

Ao retornar do Exílio  Raul e Paulo, vieram cheios de projetos, entre eles o novo disco. Aí surgiu, Gita, no final de 74. Este disco será definitivamente o boom da carreira do cantor e compositor. O mais vendido, com mais de 600mil cópias, tocou em todas rádios e programas de Televisão. A capa um primor. Raul Seixas de boina vermelha e guitarra em punho, em uma representação de um guerrilheiro em luta contra o regime. O LP é um desfile de Hits de Raul: Medo da Chuva, Trem das sete, Sociedade Alternativa e claro Gita.

Sem dúvida Gita é o maior e talvez uma das melhores letras do cara. Nós dos tempos das Quermesses, achávamos que Raul Seixas falava de Deus. De certa forma sim. Ela  é baseada no Bhagavad-Gitã, parte do Mahabarata, que seria a "bíblia" da religião hindu de Krishna. Um guerreiro hindu questiona quem seria o Krishna, o Deus da Religião Oriental.

Raul Seixas, mesmo após a sua morte atravessa como ídolo de antigas e novas gerações. Seus discos continuam a vender. Artistas Roqueiros em especial, continuam se influenciando por sua obra, seu estilo de juntar Luís Gonzaga com Elvis Presley. A mania dos Covers começou com os de Raul. Em vários eventos musicais, se ouve constantemente o Toca Raullllllllll.

Nós também vamos pedir um Toca Raul. Veja e ouça Gitã aqui: http://migre.me/ePdNh .

Gita
- Eu que já andei pelos quatro cantos do mundo procurando, foi justamente num sonho que Ele me falou:
Às vezes você me pergunta
Por que é que eu sou tão calado,
Não falo de amor quase nada,
Nem fico sorrindo ao teu lado.
Você pensa em mim toda hora.
Me come, me cospe, me deixa.
Talvez você não entenda,
Mas hoje eu vou lhe mostrar.
Eu sou a luz das estrelas;
Eu sou a cor do luar;
Eu sou as coisas da vida;
Eu sou o medo de amar.
Eu sou o medo do fraco;
A força da imaginação;
O blefe do jogador;
Eu sou!... Eu fui!... Eu vou!...
Gita! Gita! Gita!
Gita! Gita!
Eu sou o seu sacrifício;
A placa de contra-mão;
O sangue no olhar do vampiro
E as juras de maldição.
Eu sou a vela que acende;
Eu sou a luz que se apaga;
Eu sou a beira do abismo;
Eu sou o tudo e o nada.
Por que você me pergunta?
Perguntas não vão lhe mostrar
Que eu sou feito da terra,
Do fogo, da água e do ar!
Você me tem todo dia,
Mas não sabe se é bom ou ruim.
Mas saiba que eu estou em você,
Mas você não está em mim.
Das telhas eu sou o telhado;
A pesca do pescador;
A letra "A" tem meu nome;
Dos sonhos eu sou o amor.
Eu sou a dona de casa
Nos pegue pagues do mundo;
Eu sou a mão do carrasco;
Sou raso, largo, profundo.
Gita! Gita! Gita!
Gita! Gita!
Eu sou a mosca da sopa
E o dente do tubarão;
Eu sou os olhos do cego
E a cegueira da visão.
Eu!
Mas eu sou o amargo da língua,
A mãe, o pai e o avô;
O filho que ainda não veio;
O início, o fim e o meio.
O início, o fim e o meio.
Eu sou o início,
O fim e o meio.
Eu sou o início
O fim e o meio.